Entrevista: Modalidades de Assédio Moral

Foi publicada, no site Jus Econômico, a entrevista da representante da Escola Paulista da Advocacia Trabalhista da AATSP, Dra. Adriana Calvo.

Nessa entrevista são abordadas questões relevantes, controvertidas e atuais sobre o instituto assédio moral e sua relação com o dano moral, assédio moral institucional e meios de combate a prática.

Fonte, Jus Econômico.

Modalidades de Assédio Moral

Entrevistador: Catia Santana Data: 22/04/2015
Entrevistado: Adriana Calvo

Caracterizado por um conjunto de ações abusivas, repetitivas e reiteradas no local de trabalho, o assédio moral é uma prática “tão antiga quanto o trabalho”, de acordo com a professora doutora, mestre e especialista em Direito do Trabalho pela PUC de São Paulo, Adriana Calvo.
A forma mais conhecida do assédio moral é a interpessoal, que, de acordo com Adriana Calvo, ocorre entre pessoas em que se identifica a figura do assediado e do assediador e pode acontecer de forma individual ou múltipla, “o chefe pode estar assediando uma pessoa ou a equipe toda”.
Além do assédio moral interpessoal, a professora aponta outra forma de assédio, ainda pouco julgada na Justiça do Trabalho, o assédio moral institucional. Nessa modalidade, a forma de assédio é despersonalizada, pois ocorre em consonância com as políticas institucionais da empresa de forma a ofender direitos fundamentais e a saúde mental dos trabalhadores no ambiente de trabalho. “Em geral, os casos de assédio moral institucional estão atrelados a políticas de metas, o objetivo dessas práticas institucionalizadas assediantes é buscar mais lucros então por meio do estabelecimento de metas se consegue humilhar os empregados e até afetar sua saúde mental”, pontua Adriana.
Os ramos com mais ações trabalhistas relacionadas à modalidade são o bancário seguido pelo de comércio. A professora diz que o tema ainda é novo e por isso, ainda não há clara distinção entre o assédio moral interpessoal e o institucional na Justiça do Trabalho. O assunto foi objeto de estudo  da sua tese de doutorado cuja pesquisa identificou até 2012, 74 casos julgados. “Pelo fato de não haver ainda essa clara distinção do que é assédio moral interpessoal e institucional verifiquei na minha pesquisa de doutorado de que tínhamos muitas ações de trabalhadores que entraram alegando assédio moral interpessoal e durante a instrução o juiz verificou que não era interpessoal e sim institucional’, exemplifica.
Em entrevista ao Jus Econômico, Adriana Calvo esclarece as modalidades do assédio, fala sobre a jurisprudência e ainda comenta sobre os elementos que podem ajudar identificar o problema além das condutas das empresas comprometidas em combater a prática assediante.

Jus Econômico – O assédio moral se caracteriza por uma ação abusiva repetitiva e reiterada no local de trabalho, mesmo assim há dificuldade de identifica-la. Por quê?

Adriana Calvo – Porque em geral os atos praticados pelo assediador são isoladamente muitas vezes entendidos como um mero conflito de trabalho, um mero problema de relacionamento porque o  assédio moral é um conjunto de atos assediantes, não um fato isolado. Por isso a dificuldade de a pessoa identificar se está sofrendo um assédio moral ou não.

Jus Econômico – Além da dificuldade de identificação há também a de provar que o assédio acontece? O que fazer para prova-lo?

Adriana Calvo – Exatamente pelo fato dos atos assediantes serem sutis, ao analisarmos o ato acabamos pensando que não se trata de uma conduta abusiva e isso dificulta a prova. As pessoas só se dão conta de que estão sofrendo assédio moral quando estão no meio do processo. Por exemplo, num dia o chefe passa pelo empregado e não o cumprimenta isso não desperta ainda não é suficiente para levantar a suspeita de um processo assediante. Só que os atos vão aumentando. Num outro dia, o chefe faz uma reunião com toda a equipe e deixa de chamar o mesmo empregado que deixou de cumprimentar. Com isso, começa-se  a perceber o problema, mas quando a pessoa se dá conta que está sofrendo um processo de assédio moral, ela está no meio do processo e, portanto, não se resguardou, não produziu provas, não documentou o dia e horário em que as práticas ocorreram.
Uma dica que damos quando a pessoa desconfia que está sofrendo assédio moral é que comece a gravar e a filmar tudo. A gravação e a filmagem têm sido aceitas na Justiça do Trabalho como prova, desde que seja feita pela pessoa envolvida mesmo que a outra parte envolvida não tenha ciência disso, não pode haver interceptação de terceiro. Em caso de dúvida, é possível levar o material para um advogado que pode identificar melhor se é uma situação de assédio ou não.

Jus Econômico – Quais as formas mais comuns do assédio moral ?

Adriana Calvo – Existe o assédio moral interpessoal, que ocorre entre pessoas, em que há a figura do assediado e do assediador, pessoas identificáveis. Podendo ser individual ou múltiplo, o chefe pode estar assediando uma pessoa ou a equipe toda. A principal característica desse assédio é a identificação de sujeitos que praticam atos assediantes.
Já no assédio moral institucional ou corporativo e também conhecido como organizacional ou coletivo é uma forma de assédio despersonalizada. No caso do assédio moral institucional é a prática assediante que é o objeto do assédio, ou seja, ocorre quando a empresa se utiliza de políticas institucionais para ofender direitos fundamentais e a saúde mental dos trabalhadores no ambiente de trabalho.
Não se consegue identificar de quem partiu a orientação quem foi a pessoa que resolveu fazer aquele ato assediante na verdade, é a própria empresa  sua cultura organizacional. Em geral, os casos de assédio moral institucional estão atrelados a políticas de metas, o objetivo dessas práticas institucionalizadas assediantes é buscar mais lucros então por meio do estabelecimento de metas se consegue humilhar os empregados e até afetar  sua saúde mental.

Jus Econômico – O assédio moral não possui legislação específica que o tipifique. O quanto isso dificulta as decisões do judiciário e que resultem em indenizações às vítimas?

Adriana Calvo – Hoje isso não é mais um problema porque o primeiro caso de assédio moral interpessoal julgado no Brasil é de 2002. Estamos em 2015, já são treze anos de experiência da Justiça do Trabalho nos julgamentos de assédio moral, então como há uma farta jurisprudência sobre o assédio moral interpessoal, o fato de não ter lei não é um problema. A tendência hoje é a adoção do sistema pós-positivista em que os princípios que estão na constituição têm força lei então podemos trabalhar com os princípios que estão na constituição para regulamentar o assédio moral como o princípio da dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho, saúde mental e física do trabalhador. Então há uma série de princípios constitucionais que numa visão pós-positivista podem fundamentar o assédio moral.

Jus Econômico – A definição do assédio moral nos permite concluir que essa é uma prática já antiga. O que fez com o assédio deixasse de ser visto como natural e inerente ao ambiente de trabalho?

Adriana Calvo – O assédio moral é tão antigo quanto o trabalho, mas realmente o avanço que o direito alcançou nos últimos anos em relação ao estudo do assédio moral se deve aos avanços da psiquiatria. Até 1950 a psiquiatria tratava qualquer pessoa que tivesse um dano psíquico como louca, hoje não, a psiquiatria consegue identificar os transtornos mentais e os danos psíquicos e isso é muito importante para o direito.
Como o direito poderia reconhecer o direito a um dano moral de um trabalhador se não havia estudos que comprovassem que gritar, xingar, humilhar causavam danos psíquicos? Então a grande questão foi a evolução dos estudos tanto da psiquiatria como da psicologia.
Nas minhas palestras sobre assédio moral, sempre faço um paralelo com a educação dos filhos. Na minha geração, era normal um pai gritar e bater. Isso era normal porque não havia estudos que comprovassem os prejuízos psíquicos de uma criança que é educada por meio de berros e tapas. Hoje temos a Lei da Palmada, que proíbe a agressão física. Se uma pessoa grita com uma criança em local público ela não é bem vista por ser uma agressão verbal. Então a evolução da psicologia e da psiquiatria permitiu esse entendimento que as violências psicológicas também causam dano psíquico. Porque o assédio moral nada mais do que uma violência psicológica no ambiente de trabalho e por ser uma violência psicológica no ambiente de trabalho causa dano psíquico .

Jus Econômico – De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), 66% dos bancários já sofreram assédio moral. Além do setor bancário, que outras áreas profissionais são as mais atingidas pelo assédio?

Adriana Calvo – Na minha tese de doutorado, que defendi na PUC, no ano passado sobre o “Direito fundamental à saúde mental no ambiente de trabalho: o combate ao assédio moral institucional”, fiz uma pesquisa para investigar quais eram os casos julgados de assédio moral institucional no Brasil. Verifiquei com a pesquisa que dois setores tinham mais ações: o comércio e o bancário. Tirando os bancos, o segundo setor econômico com mais ações de assédio moral institucional é a área de comércio.

Jus Econômico – Antes de recorrer à via judicial que atitudes podem ser tomadas com relação ao assédio moral?

Adriana Calvo – No assédio moral interpessoal, a vítima ou assediado pode procurar o ombudsman, a ouvidoria interna da empresa. Se ela não confiar nesses mecanismos, nessas formas de solução de conflito, ele pode procurar o sindicato ou a Delegacia Regional do Trabalho (DRT), que tem uma comissão que recebe denúncia de assédio moral interpessoal.
Se o trabalhador estiver desconfiado de que é um assédio moral institucional, ou seja, não acontece só com ele mas sim, com todo mundo, é uma prática comum dentro da empresa, aí devido ao caráter coletivo do assédio ele pode procurar o Ministério Público do Trabalho e fazer uma denúncia até pelo próprio site do MPT. Pode-se fazer uma denúncia anônima ou identificada para que o Ministério Público faça a averiguação desse possível assédio moral institucional.

Jus Econômico – Como as empresas podem agir preventivamente para coibir esse tipo de conduta?

Adriana Calvo – Em geral as empresas buscam uma série de alternativas tais como elaborar um código de ética e de conduta com regras claras sobre assédio moral, assédio sexual, discriminação entre outros temas.
Algumas empresas resolvem investir em treinamento então fazem dois tipos de treinamento na área de recursos humanos para trabalhar com os gestores e outro na área jurídica abordando os aspectos jurídicos do assédio moral para que as pessoas tenham informações sobre o que é e o que não é assédio para preveni-lo dentro da empresa.
Outra alternativa é que algumas empresas negociam com os sindicatos cláusulas dentro do acordo coletivo deixando claro que não toleram o assédio e quais serão os mecanismos, caso os trabalhares queiram denunciar esse assedio junto ao sindicato. A primeira experiência nessa área sindical de prevenção ao assédio é a do setor bancário que assinou um acordo nacional que prevê que em caso de suspeita do bancário de estar sofrendo o assédio ele pode procurar o sindicato e fazer a denúncia por meio do próprio sindicato que tem por obrigação chamar a empresa e tentar conciliar.

Jus Econômico – Existe alguma confusão nos julgamentos de diferenciar o assédio moral do dano moral?

Adriana Calvo – Na verdade o dano moral é o gênero e o assédio moral é espécie. Então há várias situações de fato que podem originar um pedido de dano moral como o assédio moral, sexual, discriminação e várias outras situações, que o trabalhador pode pleitear o dano moral.  Quem sofre assédio moral pode pleitear na Justiça do Trabalho um dano moral ou eventualmente um dano material que é, por exemplo, o reembolso dos medicamentos e consultas com psiquiatra e psicólogo, então não como se confundir o assédio moral com o dano moral. Quem entra com uma ação alegando que sofreu assédio moral pede dano moral.
O que acontece é que existem outras situações, por exemplo, que alguém sofre uma humilhação ou uma agressão verbal no momento do desligamento do contrato de trabalho, esse é um ato episódico, isolado que ocorreu no desligamento. Pelo fato de não haver repetição não pode ser considerado assédio moral, o que se pode alegar, com esse ato, é que sofreu constrangimento, humilhação no desligamento e aí pedir dano moral.
O dano moral é o pedido, não a situação de fato. O situação de fato é preciso descrever para o juiz e dar nome, dizer se é assédio moral, assédio sexual, discriminação. O que às vezes acontece é o trabalhador dizer que sofreu assédio moral sem ser é assédio moral, e sim, uma agressão verbal, por exemplo. Alguns juízes quando identificam que não se trata de assédio moral  mas uma agressão verbal, condenam a empresa da mesmo forma a pagar danos morais. Outros juízes, mais  legalistas, mais pós-positivistas,  julgam improcedente porque consideram que não há prova de que houve assédio moral mesmo que constatada na oitiva das testemunhas de que houve uma agressão pontual e isolada verbal .

Jus Econômico – Como tem sido a jurisprudência com relação às ações de assédio moral?

Adriana Calvo – A jurisprudência de assédio moral interpessoal é bem farta e abrangente, hoje se consegue catalogar situações que já foram reconhecidas pelo judiciário como assédio moral interpessoal. Mas no assédio moral institucional é assunto  recente e novo. Diferente do interpessoal há poucos casos julgados.
Na minha pesquisa de tese de doutorado, eu tinha identificado 74 casos até 2012,minha pesquisa se encerrou em dezembro de 2012. Então no assédio moral institucional há ainda uma certa confusão sobre, primeiro, qual o título a ser utilizado. É assédio moral institucional? Corporativo ou organizacional? Em algumas ementas de julgamentos aparece como corporativo, em outras, como institucional, outras como organizacional, quer dizer, o nome a ser dado a esse fenômeno ainda  não está unânime entre os juízes.
Na minha tese, adotei o nome de institucional porque é um dos termos que tem sido mais utilizado, no Direito Comparado, fora do Brasil. Pelo fato de não haver ainda essa clara distinção do que é assédio moral interpessoal e institucional verifiquei na minha pesquisa de doutorado de que tínhamos muitas ações de trabalhadores que entraram alegando assédio moral interpessoal e durante a instrução o juiz verificou que não era interpessoal e sim institucional.
Alguns juízes julgam improcedente mesmo verificando que é institucional. Aí verifiquei na minha tese que quando essas decisões chegam no tribunal, o tribunal reforma, reconhece o caráter institucional do assédio e condena a empresa a pagar o dano moral individual .
Embora ele tenha caráter coletivo, quando o trabalhador entra com uma ação isolada contra uma determina empresa o juiz não pode condenar em dano moral coletivo, mesmo sendo coletiva a prática, o juiz tem que condenar em dano moral individual.
O dano moral coletivo só pode ser pleiteado pelo sindicato ou Ministério Público, que se entrar com ação civil pública denunciando um assédio moral institucional, aí sim, ele pode pedir dano moral coletivo e já temos vários casos julgados assim também.