Notícia: Corte no vale-transporte em São Paulo empurra empregado a negociar benefício em meio à crise

A partir de sexta-feira, cartão pago por empregadores terá menos subsídios da prefeitura, o que significa que o usuário terá direito a fazer menos embarques

Faixa de ônibus na rua da Consolação, região central de São Paulo. ROVENA ROSA AGÊNCIA BRASIL

Se você tem um emprego com carteira assinada em São Paulo e se desloca durante horas em mais de dois ônibus até chegar ao trabalho, prepare-se para falar com o patrão ou com o departamento de recursos humanos de sua empresa. A partir de sexta-feira, dia 1 de março, a prefeitura da capital paulista, comandada por Bruno Covas (PSDB), muda algumas regras do Bilhete Único. A principal alteração ocorre na modalidade vale-transporte — isto é, o cartão que o empregador deve dar ao empregado, segundo prevê a legislação trabalhista — e poderá afetar o bolso dos trabalhadores registrados ou ainda reduzir a oferta de emprego. Sobretudo para os que mais moram longe, nas franjas da cidade.

Atualmente, o passageiro que possui um vale-transporte pode fazer quatro embarques, isto é, pode subir em até quatro ônibus municipais num período de duas horas pagando apenas uma passagem, 4 reais e 30 centavos; ou ainda embarcar em três ônibus + metrô/trem pagando um acréscimo de 3 reais e 65 centavos pela integração. A partir de 1º de março, contudo, o passageiro poderá fazer no máximo dois embarques: poderá subir em no máximo dois ônibus municipais em um período de três horas pagando apenas uma tarifa; ou pegar um ônibus + metrô/trem pagando o mesmo acréscimo pela integração.

A gestão Covas explica que, ao promover este corte, está deixando de subsidiar o empregador, que é quem deve pagar o vale-transporte e, portanto, complementar o valor a ser pago por aqueles que fazem mais de duas viagens durante seu trajeto ao trabalho. A Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte estima que 120.000 pessoas serão afetadas, entre as 1,5 milhão que recebem vale-transporte de seu empregador. Ou seja, 8% dos passageiros. A economia gerada com o corte é de 419 milhões de reais por ano, “que poderão ser investidos em outras áreas”, destaca a secretaria ao EL PAÍS. Para as outras duas milhões de pessoas que utilizam o Bilhete Único Comum, além de aposentados, estudantes, e trabalhadores informais, nada muda. As tarifas de integração com metrô e trem também permanecem iguais.

O decreto foi emitido no último dia 23 de fevereiro. As empresas e trabalhadores tiveram menos de uma semana para se adequarem. “A medida, em princípio, impacta as empresas. A Prefeitura em tese tem razão. Mas essa é uma verdade que não condiz com a realidade”, explica o advogado trabalhista José Augusto Rodrigues Júnior, conselheiro da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo. Isso porque, explica, “o empregador que tiver mais custos vai trocar o empregado que mora mais longe por uma pessoa que mora mais perto”.

Para o advogado, os trabalhadores estão “frágeis” e não estão em condição de negociar um aumento. “Hoje está fácil fazer essa troca porque o desemprego está alto. E o sindicato também está sem poder de negociação. O trabalhador tem que aceitar tudo que lhe é ofertado”, argumenta. Em 22 de fevereiro, o IBGE divulgou novas cifras de desemprego que mostram São Paulo acima da média nacional, com 14,2% de desocupação, contra 12,3% no país.

A legislação trabalhista prevê que um empregado não pode gastar mais de 6% de seu salário com transporte para ir ao trabalho, cabendo ao empregador subsidiar a locomoção. “Portanto, passar o aumento para o trabalhador é ilegal. Mas na prática essa ilegalidade já acontece, sobretudo em empresas prestadoras de serviço de limpeza, vigilância e segurança. Muitas falam que só vão pagar uma passagem por dia e pronto. Então, essa situação tende a aumentar”, explica Rodrigues Junior. “De um jeito ou de outro, quem vai acabar pagando a conta é o trabalhador”, conclui.

Jonathan Lindim, de 25 anos, mora em Campo Limpo, na zona sul da cidade, e todos os dias se desloca até a região da República, onde trabalha como segurança em um edifício. Pega dois ônibus na ida e um na volta, o que significa que não será afetado pela mudança da prefeitura. Mas teme que seja prejudicado no futuro. “O salário já não é essas coisas, então é o empregador que tem que pagar esse aumento. E eu não quero pagar para trabalhar”, diz. O porteiro Sergio Matos, morador de Guaianazes, no extremo leste de São Paulo, também não sofrerá com a mudança, mas teme pela sua esposa, que precisa pegar mais de dois transportes para chegar até o shopping em Tatuapé no qual trabalha. “Vamos ver, ela está na expectativa, ainda não falaram nada para ela”. O zelador Douglas Alexandre explica qual é a realidade do mercado de trabalho: “A responsabilidade é da empresa, mas você chega numa entrevista de emprego e ela diz que só pode pagar uma passagem. E aí, como é que fica?”.

Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/27/politica/1551302731_025042.html

Matéria por Felipe Betim de São Paulo em 28 de Fevereiro de 2019 – 21:01 CET

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