Notícia: Homenagem AATSP ao Dr. Agenor Barreto Parente

A essência de um dos fundadores da AATSP e daquele que contribuiu para a construção do Direito do Trabalho em nossa saudosa homenagem.
Agenor Barreto Parente, nas palavras do Advogado, jurista, ex-Presidente da AATSP e Abrat, Luis Carlos Moro:

 

Agenor Barreto Parente!

Que honra de ser seu afilhado! Meu padrinho!

Recebi a difícil missão de lhe dizer algumas palavras, da qual me desincumbo com o sentimento de enormes perdas pessoal e de toda a sociedade, que haverá de reconhecer a sua grandeza e lhe prestar as devidas homenagens. Preferi proferí-las em forma de elegia em prosa, de declaração de amor, quase desnecessária entre nós, já que eu sempre soube ser amor recíproco, imensurável, partilhado por sua grande mulher, a companheira de vida Ida Rothstein Barreto Parente.

Nosso liame foi tecido com fios de afeição, de feição ideológica, política, profissional, familiar, entrecruzando-se tantas vezes que compôs uma trama inquebrantável, rara até mesmo entre pais e filhos e em vínculos de consanguinidade.

E foi precisamente nessa urdidura que a relação entre afilhado e padrinhos transcendeu o elo normal criado pela ritualística do apadrinhamento. Batizado em igreja católica por uma judia e por um comunista ateu, minha iniciação religiosa já indicava que receberia de meus pais e padrinhos os influxos de suas tolerâncias, de suas almas democráticas. Fizeram de mim um catecúmeno ecumênico.

Da infância, guardo na memória as suas festas, os 15 de novembro dos encontros políticos e eleitorais que tinham em seu aniversário o pretexto para o escape do sufoco imposto pela ditadura, na casa que Artigas (Ottoni, corrigiram-me os filhos!) projetou e que muitas vezes sediou encontros sediciosos contra o golpe militar. Ir à casa do Parente era, para mim, o momento de me avistar com quem pensava grande, discutia o país, as relações sociais, os meus primeiros paradigmas.

Havia um escritório junto à garagem, com uma biblioteca que me suscitava a sensação de que era infinita, a neverending library… Ali vi a primeira televisão colorida… E se minha relação com minha amada madrinha Ida e o Parente tinha na infância algo de mágico, na adolescência, ganhou contornos de realidade.

A realidade, então, superava a fantasia infantil na alegria de ser e estar.

Com o Parente conheci o trabalho. Tinha 15 anos quando fui ser office boy no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Bebidas de São Paulo, na Liberdade, emprego que me deu a oportunidade de servir a classe operária. Aguardava com ansiedade as tardes das quintas-feiras, quando havia o plantão jurídico.

Acompanhava atento o modo com o qual se dirigia aos trabalhadores, suas explicações didáticas e breves (porque a fila andava), seu compromisso com os processos, o empenho com que se dedicava às peças processuais de casos economicamente ínfimos, mas de grande relevância para aqueles em favor de quem ele trabalhava tanto.

Foram poucos meses. Da Liberdade fui para a Praça da Sé, sob o endereço da Avenida Rangel Pestana. Trabalhava agora no escritório fundado por Rio Branco Paranhos e por ele conduzido. De lá advieram para mim os descortinos da vida e da lida. Tive a alegria do convívio diário com uma plêiade de advogados, principalmente com ele, e a oportunidade de apreensão do seu grande ensinamento derivado da sua relação com o trabalho, com os trabalhadores, com a Justiça do Trabalho.

Eram aulas de coerência, de retidão, de singeleza, de objetividade, gentileza, de como redigir mentalmente um texto limpo e ditá-lo pronto, reto, com argumentos lastreados numa convicção enraizada, irrefutável, produto de uma agilidade mental raríssima que se aliava a um acervo de conhecimento e entendimento raro. Havia nele um grande juiz, que esquadrinhava o seu pensar em segundos. E emitia a sentença breve, justa, precisa.

Sua companhia era um privilégio. Testemunhamos juntos momentos históricos, lutas lindas. Missa de Vlado na Catedral da Sé, distensão, abertura, anistia, diretas já, Constituição.

Conheci por suas mãos trabalhadores inesquecíveis, seus clientes, humilhados e ofendidos de toda a sorte. Foram inúmeros… Olindos, Lauras, Asteróides, motoristas e cobradores da pasta 785, a velha CMTC em peso, trabalhadores tratados todos com igualdade, independentemente das suas circunstâncias pessoais. Sindicatos tantos… artistas, borracheiros, costureiras, fiadores e tecelões, metalúrgicos, mestres e contramestres, vidreiros.

Por ele, tornei-me advogado do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Fiação e Tecelagem, seguindo a senda trilhada por Rio Branco, Marcos Schwartsman, Altivo Ovando, meu pai e meu irmão, o Nando Moro, entre tantos outros.

Vi presidentes de multinacionais esperarem atendimentos aos operários mais humildes, porque o homem de terno azul marinho ao fundo do grande salão atendia segundo a ordem de chegada e não pela hierarquia socioeconômica do beneficiário de seus préstimos.

Depois de completar 18 anos, já habilitado, ao fim do expediente, a carona que lhe dava para a sua casa em Alto de Pinheiros era o momento mais aguardado. Formei-me advogado no carro, absorvendo cada lição, haurida do diálogo pródigo e despretensioso.

Parente fez as mais contundentes defesas da Justiça do Trabalho que tive a oportunidade de ouvir, instituição a que se vinculou como parte integrante de sua história. Não aceitava que se lhe criticasse publicamente, nem mesmo nas ocasiões em que merecia a crítica, o que só fazia reservadamente e àqueles em quem depositava estrita confiança. E fez as mais lindas orações na Justiça do Trabalho.

Advogava assim, coerente e exclusivamente para trabalhadores. Foi um grande defensor da instituição que lhe viabilizava essa defesa. Mantinha, no entanto, com os colegas de advocacia dos interesses opostos, a mais lhana cordialidade, as mais belas amizades, estabelecendo relações de confiança que dispensavam a aferição da veracidade de suas palavras. Assumia a honra do outro como sua.

Conhecia todos os funcionários da Justiça do Trabalho. Sabia seus nomes, os nomes de seus filhos, conhecia seus problemas. Disponibilizava-se. Ajudava quem quer que fosse. Sempre atento ao outro.

Era assim, um homem da alteridade, a pensar no mundo, nos humildes, no próximo. Amigo de seus amigos, leal. Socorria-os às ocultas, discretamente, como se pudesse esconder sua generosidade.

Destestava a autorreferência e desconfiava das homenagens, embora cearensemente adorasse um afago. Ele dizia que no Ceará difícil era chegar aos 5 anos. Depois disso, a pessoa evoluía que era uma beleza.

Ele evoluiu muito. Veio a São Paulo na década dos 40. Formou-se no Largo São Francisco, para o qual foi aprovado, como ele dizia, modestamente, em terceiro lugar (segundo, corrigiu-me Ida!). Um feito. Militou politicamente com a grandeza que lhe é própria. Lutou por amor, sempre. Do casamento à profissão.

E fez-se beleza humana. Tornou-se o trabalho em forma de pessoa. O trabalho em favor do trabalho. O trabalho em todos os lugares, sua própria casa convertida em lugar de trabalho. A Sé do trabalho.

E se permitia a alegria, a vida social, cultivar as artes, o teatro, o cinema, os bares, a literatura, os cafés (que tomava sempre ferventes), a Leiteria Americana, o centro da cidade que sempre foi dele e que o acolheu do mesmo modo como ele acolhia a todos os que lhe procuravam.

Era um gregário, algo raro na militância da esquerda. E associativista! Fundou e foi o primeiro presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo, palmilhando um caminho que busquei percorrer.

Intelectual real, sem aspirações a intelectualidade. De ironia fina. Do cérebro advinha uma luminosidade natural, uma energia que o colocava com a disposição física de vencer diversas vezes o vale do Anhangabaú, a percorrer todos os prédios da Justiça.
O tecido da minha vida, assim, é composto em grande parte por sua obra. Eu sou tela de sua fiação, de sua coloração.

Agenor, na mitologia grega, foi um rei fenício, filho de Posseidon, pai de Europa, raptada por Zeus, além de outros três filhos, Cadmio, Sílix e Fênix, a quem encarregou a missão de resgatar a filha, sem medir o poder de quem a havia capturado.

Agenor Barreto Parente é um rei cearense, marido da incansável Ida, pai de Arthur, o Tuca, e Nelson, o Nelsinho, ambos cidadãos que dignificam a sorte lotérica de terem provindo de seus pais. Avô de Daniel, Júlio, Laura e Pedro. Sogro da Bita e da Alessandra. A eles, peço licença de me unir à família e dizer que também recebi do Parente a missão de resgatar a defesa da classe trabalhadora e do Direito do Trabalho, sem medir o poder de quem os pretende capturar.

Na madrugada de 27 de abril de 2019, foi-se o artífice e a testemunha de um século de lutas trabalhistas. O grande legatário de sua profissionalidade e de suas batalhas é meu querido irmão Nelson.

Vamos juntos, meu caro. Temos um outro século para manter a obra do Parente.
Nós dele nos despedimos com amor, com admiração, com a absorção do exemplo e o compromisso do estabelecimento da continuidade que quebra e vence a grande fragilidade humana, a nossa finitude. Seus parentes próximos, amigos e seu afilhado, Parente, estão contigo.

Parente, presente!

Confira abaixo a entrevista dada pelo Dr. Agenor Parente em 1997

 

 

Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo – Incansável na luta pelos Advogados e Sempre Vigilante na Defesa dos Advogados Trabalhistas de São Paulo.

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