Palavra do Presidente: Vlado, 40 anos, sem você.

Vlado, 40 anos, sem você.

No dia 25 de outubro de 1975 eu estava no segundo ano do colegial, no Colégio Dante Alighieri, quando me informaram que a ditadura militar o tinha “suicidado”. Fiquei muito chocado, pois pensei que a situação aqui iria melhorar, democraticamente falando. Mas Vlado, por que você se apresentou espontaneamente no Doi-Codi? Você judeu, como eu, e tendo nascido no leste europeu, com a família escapando do antissemitismo nazista, como a minha, deveria saber, que aquele regime, da besta fascista, não tinha acabado, mas só se transferido momentaneamente para o cone sul? Vlado por que você não fugiu, como muitos fizeram? Aquela conversa de distensão do Geisel, era tão mentirosa quanto a conversa dos torturadores, que diziam lutar contra a ditadura comunista soviética e na defesa da democracia, e que barbarizaram a vida de milhares de democratas patriotas, como você, nos porões sombrios na America do sul. Vlado você queria ser herói? Se você não queria, você virou um, pelo menos para mim. Vlado quando eu vi a fotografia, com você pendurado em um cinto amarrado a uma grade, nas dependências do Doi-Codi, com uma carteira de estudante na sua frente, como estou vendo agora, eu não dormi a noite toda. Fiquei pensando, no retorno da trágica “noite dos cristais”, onde os nazistas alemães iniciaram a sua nefasta caminhada ao poder, e saíram às ruas para atacar as pessoas, principalmente os judeus, criando uma cruel escola do terror que o mundo da época, dito civilizado, passivamente assistiu e todos sabem aonde a coisa chegou. Por isso que acho que colocaram uma carteira de estudante na sua frente naquela foto, pois essa “escola” parece que nunca acaba, só muda de lugar, como vemos hoje em algumas regiões da Africa, nas guerras tribais e em alguns outros lugares como no oriente médio, como especificamente ocorre hoje na Síria e outros paises. Sabemos nós que aqui no nosso continente, muitos desgovernantes ditatoriais dos anos 70, e 80, adoravam os infames e assassinos nazistas, temos até conhecimento, de torturas contra militantes políticos na guerra suja Argentina, tendo ao fundo a música do antissemita Wagner, compositor admirado por Hitler, que outrora era insistentemente executado nos campos de concentração e extermínio na Europa. Era a barbárie em “festa” com música e tudo. Que paradigma, esses assassinos foram adotar? Pessoas construídas na raiz da maldade. Vlado te pergunto novamente : por que você não fugiu? Você acreditou que entregando a própria vida, seria um marco na luta para denunciar, também os outros assassinatos de patriotas, e aí iriamos para a redemocratização do país? Ou ingenuamente, você acreditou que eles te ouviriam em depoimento e o mandariam para casa, para junto de sua família? Mas Vlado, eles não conseguiram ocultar o seu assassinato, e todo mundo ficou sabendo, na hora, da farsa que foi o seu “suicídio” e você foi enterrado no cemitério israelita de São Paulo, como um bom judeu, com o protagonismo do Rabino Sóbel e apoio dos membros do Chevra Kadisha, em um ato, diga-se de passagem, heroico contra a ditadura, e ai depois com o ato público na catedral da Sé, tudo virou história para nunca mais se esquecer. Vlado você hoje é um ícone na luta pela liberdade nesse país, morreu como um homem, injusta e friamente assassinado pelos piores “seres humanos” e como os bons virou um exemplo de brasileiro, como outros que tombaram, só por que queriam um país melhor. Para uma ditadura, a expressão da verdade, é o maior crime que um jornalista podia cometer. Podemos dizer que a verdade dói muito nos covardes, acho que por isso que te mataram. Por isso choraram Marias e Clarices no solo do Brasil, como diz a música, nos anos de chumbo que vitimou nossa sociedade. Eu não te conheci pessoalmente, conheci quem te conheceu, e posso dizer que sou seu amigo, pois viajo na sua sagrada memória e legado. Amanhã Vlado, lembramos a sua ausência, sempre presente, de quarenta anos, e mais do que acender uma vela para você e tanta gente, que também merece ser lembrada, vou acender uma vela para o nosso país e que pessoas como você, querido Vlado , vivam o suficiente, para nos ensinar o que é democracia para a construção de uma sociedade de iguais, justa, livre e soberana.
Pensamento gravado na lápide do tumulo do Jornalista Vladimir Herzog . “Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticados pelos outros, perdemos o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados” Que D’us proteja a sua alma, Vlado, sua memória será sempre será lembrada por mim. Esse é meu compromisso.

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Lívio Enescu
Presidente
Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo – Sempre Vigilante na Defesa dos Advogados Trabalhistas de São Paulo.

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